A ideia de personalidade em abordagens sistêmicas e enativas

As teorias da personalidade permearam fortemente o conhecimento da psicologia, psiquiatria e saúde mental ao longo da história.

Entre outros elementos, desses pontos de vista supõe-se que as pessoas articulam seu modo de ser em torno de uma série de traços que o constituem, e que seria relativamente estável ao longo do tempo. Vamos dar uma olhada em alguns conceitos básicos destes primeiro.

Os fundamentos das teorias da personalidade

Uma primeira suposição de muitas dessas teorias é que a personalidade seria constituída por um núcleo central composto de temperamento e caráter. Enquanto a primeira teria a ver com as condições biológicas e genéticas, a segunda teria mais a ver, em termos simples, com o aprendizado de seus modos de ser ao longo de sua história de vida.

Em consonância com o exposto, há uma série de traços (muitos dos quais são dicotômicos) em torno dos quais as personalidades são formadas, como o continuum extroversão-introversão, abertura à experiência, etc.

A partir deste ponto de vista, ele passou a pressupor que existem personalidades que poderiam ser classificadas como perturbadas. Nos manuais de diagnóstico psicopatológico mais difundidos, como o CIE 10 ou o DSM, eles são agrupados de acordo com certas semelhanças em algumas das características desses transtornos. De acordo com essas definições, muitas vezes as personalidades são consideradas perturbadas pelo tipo de sofrimento que geram, bem como pelo grau de dificuldade que podem encontrar para se integrar à sociedade e às relações humanas em geral. Há também outras visões que colocam mais ênfase nos aspectos estruturais da mesma.

Suas implicações na psicoterapia

Independentemente da teoria, como podemos ver, um elemento que transcende a maioria dos pontos de vista, se posiciona a partir da ideia de uma relativa permanência e invariabilidade dos modos de ser. Grande parte do trabalho psicoterapêutico consistiria, então, em relaxar certos aspectos desses traços, diminuir os níveis de sofrimento de acordo com sua adaptação na sociedade e permitir formas de existência mais harmoniosas.

Todas essas perspectivas, sem dúvida, foram uma grande contribuição para encontrar alívio para muitas pessoas e serviram de base para como abordar a saúde mental na perspectiva de muitos profissionais e consultores. Mas eles também têm certos riscos ou aspectos críticos que precisam ser cuidados. Alguns serão analisados ​​a seguir.

Do ponto de vista da teoria geral dos sistemas, eles são constituídos a partir de certos princípios fundamentais e universais, seja qual for o seu tipo. Um dos seus principais elementos pressupõe que sejam sinérgicos, ou seja, seu todo é diferente da soma de suas partes. Essa sinergia surge na interação de seus componentes ou subsistemas, que são interdependentes e diferenciados entre si. Isso também se aplica a grupos ou sistemas humanos.

O primeiro elemento crítico que emerge dessa perspectiva sobre a ideia de personalidade é que o modo de ser de cada pessoa (ou modo de ser), é sempre em referência à sua interação e interdependência com os outros. A partir desta abordagem, quando se pertence a vários sistemas ao mesmo tempo e também em momentos diferentes, é mesmo impossível ser sempre a mesma pessoa ou ter elementos centrais permanentes que nos definam como tal.

Crítica da teoria enativa

Do ponto de vista de a teoria enativa do autor chileno Francisco Varelaacredita-se que emergimos em constante e inevitável mudança de interação, manipulação, cocriação e encontro com o mundo ao nosso redor.

Diante dessa perspectiva inovadora, assume-se que é impossível encontrar elementos de permanência que transcendam o tempo e os diferentes momentos e espaços históricos em que nos desenvolvemos como seres humanos. Por mais que pudéssemos fazer certas distinções aparentes sobre coisas que parecem permanentes ou transcendentes, mas mesmo assim elas não poderiam ser definidas como iguais.

Os impactos desses pontos de vista e de outros que vão na mesma direção são radicais se levados em conta na prática da psicoterapia, primeiro porque supõem que qualquer pessoa pode mudar e está, inevitavelmente, em constante mudança. E é nessa mudança que pode ocorrer o alívio ou a busca de sentido dos buscadores, mais do que em uma flexibilização ou adaptação de suas características aos conceitos de normalidade ou adaptação.

É importante mencionar, no entanto, que cada uma das abordagens teóricas mencionadas, sejam elas as mais próximas da ideia da existência da personalidade ou as sistêmico-interacionais, se posiciona do ponto de vista ontológico (conceito de humano). ser) e epistemologicamente (ponto de vista sobre a relação que temos com a realidade) diferentes e nenhuma é mais certa que a outra. Provavelmente, a utilidade e o sucesso de um ou outro em um processo de consulta depende mais das necessidades específicas de cada consultor e do tipo de relação ou aliança que se estabelece com o terapeuta do que do seu real valor em si.

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